Proximas Chamadas
Vol. 26/2 (maio, junho, julho, agosto/2024)
Tema: Por uma pedagogia literária: novas perspectivas para um ensino emancipatório
Editores Convidados:
Eduardo Horta Nassif Veras (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil)
Tiago Guilherme Pinheiro (Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil)
Recepção: 16/09 de 2023 a 15/01 de 2024
Ementa: Há entre literatura e ensino, entre poesia e pedagogia, uma tensão inerente. Que na última década o espaço dessa prática de saber dentro das instituições de ensino fundamental e universitário tenha sido violentamente deslegitimado, suprimido ou reduzido não coloca em questão somente qual seria o papel de romances, poemas, contos e peças de teatro na estrutura escolar e acadêmica, mas sim o próprio estatuto das noções de educação e conhecimento que estão em jogo como um todo em nossos tempos.
Como afirma Barthes (1978), a literatura não diz que sabe algo, e sim que sabe de alguma coisa, algo das coisas. Assim também pode ser pensada a diferença entre um ensino que toma a literatura como objeto – que conforma a leitura com técnicas de decifração, de codificação e de tipologias que estabelecem uma conformidade sobre o texto – e um ensino literário. Naquele, trata-se de encarar a literatura como algo conhecido e que pode ser transmitido na forma de técnicas de decifração consensual, de nomes que constituem um cânone, de paráfrases de obras e mesmo daquilo que se deve fruir. Já nesse, no ensino literário, haveria que se imaginar uma poética que perturba os saberes postos em torno de algo que não está dado de antemão e que está por se fazer.
À visão substancial da literatura, entendida como instituição delimitável e cognoscível, sobrepõe-se uma visada epistemológica, interessada em sua dimensão pensante, em sua vocação para a “reflexividade infinita”. Há, portanto, “um pensamento da literatura”, um modo literário de pensar, conforme defende Antoine Compagnon (2009). Se a literatura é um “exercício de pensamento” e a “leitura, uma experimentação dos possíveis” é preciso (re)pensar, antes de tudo, a aula de literatura e seu lugar em face das outras disciplinas. Pensar o impacto político de uma aula que convoca os alunos e alunas à “participação inventiva”, “transformando a sala de aula num ato pelo qual o conjunto de pessoas se faz responsável”, segundo Marcos Natali (2018).
Há que se considerar, igualmente, os riscos de uma estagnação do ensino de literatura, que vão muito além da tão propagada crise da disciplina. Philippe Sollers (2020) vai mais longe nesse diagnóstico: ou a literatura é questionamento dos saberes ou é anestesia que recobre a violência. Tão urgente quanto a redução constante do espaço dedicado à literatura na formação básica deveria ser a discussão sobre o modo como ela está apresentada.
Nos últimos anos, Gayatri Spivak (2012) e Rita Segato (2020) vêm propondo a retomada de uma educação estética como modo de resistências aos projetos de ensino da nova extrema direita (por exemplo, a gamificação da compreensão das forças sociais em conflito, como se as Humanidades pudessem ser reduzidas a um jogo de vencedores e perdedores). Essa educação estética é definida como “exercício imaginativo como performance epistemológica”.
Tendo em vista as tarefas propostas por estes e outros críticos, convocamos pesquisadores/as e professores/as para enviarem artigos que procurem imaginar e ajudem a compor o que seria uma pedagogia literária. Para tanto, buscamos textos que discutam a leitura literária como performance que constitui o acontecimento conhecido como “aula”, para além de binarismos como teoria e prática, universidade e escola, leitura e análise, fruição e interpretação – dicotomias impostas pelas estruturas autoritárias sobre as discussões em torno da educação no Brasil, ao menos desde a ditadura militar. Entre as possibilidades de abordagem do tópico, propomos aos autores que se detenham sobre formas outras de aprendizagem a partir de obras literárias específicas. Não se trata aqui de mapear a representação da escola e seus elementos e sim as experimentações poéticas singulares que permitem repensar as formas de apreender e ensinar, tal como ocorre, por exemplo, no Primeiro caderno de poesia do aluno de Oswald de Andrade, em Menino a bico de pena de Clarice Lispector, Ferdydurke de Gombrowicz, nos ensaios memorialísticos de bell hooks, Jovens de um novo tempo, despertai! de Kenzaburo Oe, nos romances de formação literária de autores como Roberto Bolaño ou na potência da experiência propagada pelo RAP, entre outros.
Referências:
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978.
COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
NATALI, Marcos. Autobiografias do começo de uma aula. In: Estudos Avançados, Vol.32 no.93, São Paulo, 2018.
SEGATO, Rita. Contra-pedagogías de la crueldad. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018.
SOLLERS, Philippe. Literatura e ensino (notas). Despachos n°1. São Paulo, Corsário-Satã, 2020.
SPIVAK, Gayatri. An Aesthetic Education in the Era of Globalization. Cambridge, Harvard University Press, 2012.
Vol. 26/3 (setembro, outubro, novembro, dezembro/2024)
Tema: A partilha da incerteza: relações entre ensaio e poesia
Editores Convidados:
Gustavo Silveira Ribeiro (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil)
Jéssica Di Chiara (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil)
Pedro Duarte (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil)
Recepção: 16/01/2024 a 15/05/2024
Ementa:
Muito do que já se disse sobre a poesia (sobretudo a poesia moderna) poderia também valer para o ensaio. As afinidades são tantas que inúmeras descrições parciais do texto poético lançam luz (também de modo parcial e inconclusivo) sobre o ensaio e seus desafios. Alguns exemplos: o apreço pela brevidade e pela contenção – mesmo em textos longos; a escolha do mundo menor e dos ângulos inusitados para observar o real; a forma aberta e permanentemente experimental, que conduz a escrita ao tateio, ao risco e ao surpreendente, numa incessante produção de objetos verbais híbridos; a elaboração de uma voz (ou várias) que falam antes de tudo consigo mesmas, num diálogo com o leitor, ou com as coisas, que passa, de modo decisivo, muitas vezes pelo registro íntimo e pela subjetividade; a presença do corpo e dos sentidos na configuração do texto, numa espécie de “pensar com as mãos” (conforme Jean Starobinski afirmou sobre a obra fundadora de Michel de Montaigne) que faz do ensaio – e do poema – exercício de ritmo e jogo, de repetições e variações cujos cálculos sempre escapam à medida, excedendo modelos e competências técnicas, tocados pelo que há de acaso em um corpo, uma obra, um fenômeno social ou artístico qualquer. Essa breve lista poderia continuar – aliás, o prazer das listas, conforme lembra Brian Dillon, um dos teóricos recentes dedicados ao ensaísmo, é inerente ao ensaio, assim como ao poema. O que interessa, no entanto, não é esgotar todas os cruzamentos e sobreposições possíveis entre poesia e ensaio, mas identificar a afinidade profunda que move esses, por assim dizer, gêneros sem gênero e tomá-la como mote da chamada para publicação que ora propomos neste número da revista ALEA. O volume que organizamos convida os pesquisadores de diferentes áreas, sobretudo dos Estudos Literários e da Filosofia, a discutir questões relativas ao ensaio que se movem, e se deixam perceber melhor, no território aberto pela interseção com a poesia e a reflexão crítica sobre a criação poética. Serão muito bem-vindos artigos, resenhas e demais textos sobre a interseção produtiva entre esses dois campos de força, assim como sobre algumas de suas variações: o ensaio poético, o poema-ensaio, a poesia que devém pensamento e crítica, o ensaio em versos e o pensar ritmicamente (e por imagens).
Vol. 27/1 (janeiro, fevereiro, março, abril/2025)
Tema: Ler o poema em tradução
Editores Convidados:
Mauricio Mendonça Cardozo (Universidade Federal do Paraná, Brasil)
Pablo Simpson Kilzer Amorim (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil)
Recepção: 16/05 a 15/09 de 2024
Ementa: A pesquisa sobre a tradução literária, em geral, e sobre a tradução de poesia, em particular, vem se desenvolvendo, nas últimas décadas, na direção tanto de uma compreensão da prática tradutória como atividade de ordem crítica, de natureza necessariamente relacional, interferente e transformadora, quanto de uma concepção do texto traduzido como objeto que tem também uma dimensão própria de alteridade, ou seja, que além de representar uma forma de sobrevida da obra original (Benjamin, 2011), constitui, ele mesmo, uma forma singular de vida (Cardozo, 2021, p.134).
Entre os inúmeros autores que, nas mais diversas frentes, vêm contribuindo para a construção dessa condição contemporânea da tradução, caberia destacar, aqui, ao menos dois dos mais inequívocos. Um deles é Haroldo de Campos, que já em seu ensaio seminal “Da Tradução como criação e como crítica” (Campos, 2013), publicado pela primeira vez em 1963, antecipava (com Ezra Pound) o valor eminentemente crítico da tradução, num recorte epistemológico que, já então, admitia o caráter necessariamente transformador e criativo do gesto tradutório. Outra referência decisiva é Antoine Berman, que, partindo de um imperativo relacional da traduçãoo (Berman, 1984, p.16) e da necessidade de redimensionamento da ideia que temos de leitura do texto traduzido (Berman 1995, p.65), assume essa prática nominalmente como “um trabalho de ordem crítica” (Berman, 1995, p.41), propondo, a partir disso, tanto uma nova perspectiva crítica (analítica, criticamente produtiva) quanto um modo politicamente engajado (anti-etnocêntrico) de pensar a prática e a história da prática da tradução literária.
Diante desse quadro, impõe-se hoje, ao pesquisador que tem por objeto a tradução de poesia ou a poesia em tradução, o desafio de tirar consequências teóricas e críticas do simples fato de que o poema traduzido, além de ser um texto diferente do original que traduz, é também um texto outro. Isso significa que suas diferenças em relação ao texto original não são necessariamente nem exclusivamente a manifestação estigmatizante de uma negatividade – traição, deformação, deficiência de uma tentativa proverbialmente malograda de reprodução –, mas, sim, a expressão de uma forma singular de dizer o outro e, nesse mesmo sentido, a expressão de uma singularidade que também nos ensina “a ler um poema, a entender o que é um poema – o que se considera que um poema é ou diz” (Siscar, 2021, p.39). Levando esses pressupostos às últimas consequências, a tradução, no mesmo gesto em que cumpre seu fim mais instrumental de dizer de novo o outro, surge também como um modo de ler o outro. Portanto, mais do que esforço de reescrita de um texto – ainda que sem deixar de sê-lo, especialmente se considerado o valor crítico e relacional desse esforço, desse trabalho, dessa poiesis –, a tradução constitui um modo de dar forma ao outro (ao poema, ao autor, à obra etc.); e, por fazê-lo, ao fazê-lo, constitui também um modo de pensar esse outro.
A despeito e à revelia dessas constatações, parece persistir como pressuposto de certa prática crítica (acadêmica e não acadêmica), uma visão de tradução que, não raro, reduz a tradução literária a sua condição instrumental, revelando-se, assim, pouco sensível tanto à condição de singularidade do texto traduzido como uma forma de vida, quanto a sua espessura e extensão crítica, ou seja, quanto ao seu significado como dispositivo crítico.
Neste número da revista ALEA, serão muito bem-vindos ensaios e artigos dispostos a enfrentar criticamente situações em que o poema traduzido, como fenômeno literário ou como objeto de um pensamento sobre tradução, sobre poesia, é reduzido à instrumentalidade de sua condição tradutória ‒ ou seja, é lido exclusivamente à luz do texto que toma por origem, como se fosse (com se pudesse ser) apenas reflexo “imediato” do próprio original ‒, sem maior consideração de sua condição de alteridade, a não ser como estigma. Caberá, nesse sentido, discutir as consequências dessa revisão crítica: 1) para a leitura e recepção do poema em tradução (como obra de seu autor, evidentemente, mas também na espessura crítica do que representa o trabalho de tradução dessa obra); 2) para uma compreensão dos limites e das possibilidades da prática crítica que tem como objeto o poema traduzido; e 3) para um pensamento contemporâneo sobre a tradução de poesia. Por extensão, caberá, igualmente, valorizar todo tipo de trabalho disposto a fazer esse exercício de leitura de poemas em tradução, dando consequências efetivas a um enfrentamento do texto traduzido em sua condição relacional tanto de dispositivo crítico quanto de uma forma singular de vida.
Referências:
BENJAMIN, Walter. “A tarefa do tradutor”. In: Escritos Sobre Mito e Linguagem. Organização, apresentação e notas Jeanne Marie Gagnebin. Trad. Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Duas Cidades, Editora 34, 2011, p.101-119.
BERMAN, Antoine. L’épreuve de l’étranger: culture et traduction dans l’Allemagne romantique. Paris: Gallimard, 1984.
______________. Pour une critique des traductions: John Donne. Paris: Gallimard, 1995.
CAMPOS, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Haroldo de Campos - Transcriação, org. Marcelo Tápia e Thelma M. Nóbrega. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.1-18.
CARDOZO, Mauricio M. “Haroldo de Campos: recriação, transcriação e a tradução como forma de vida” In: Marcos Siscar; Marcelo Jacques de Moraes; Mauricio M. Cardozo. Vida poesia tradução. Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2021, p.89-139.
SISCAR, Marcos. “A tradução extravagante: Maria Gabriela Llansol, leitora de Baudelaire”. In: Marcos Siscar; Marcelo Jacques de Moraes; Mauricio M. Cardozo. Vida poesia tradução. Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2021, p.11-49.
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